PRAIAS URBANAS MUNICIPALIZADAS: Problema ou solução?

Os municípios maranhenses situados ao longo dos 640 km de extensão da nossa costa litorânea têm uma fonte de renda em potencial ainda pouco ou nada explorada. As suas belezas agora podem fazer mais do que atrair turistas para o Maranhão. Desde a aprovação da Lei 13.240/2015, é possível “transferir aos municípios a gestão das orlas e praias marítimas, estuarinas, lacustres e fluviais federais”, inclusive as áreas de bens de uso comum com exploração econômica, como calçadões, praças e parques públicos.

Em termos práticos, os municípios brasileiros que possuam áreas litorâneas, enquadradas como praias urbanas, têm o direito de requerer o direito de explorar economicamente as praias para os mais diversos fins: eventos esportivos, culturais, construções de equipamentos de lazer e urbanos, entre outros. O que anteriormente requeria autorizações e pagamento de taxas à União, atualmente, por meio da municipalização, poderá ocorrer com maior celeridade e menor burocracia.

Somente no Maranhão, 25 municípios litorâneos teriam direito ao benefício. No Brasil, seriam 282 municípios de 17 estados. E existem regras claras para isso já que, mais recentemente, a Portaria 113, de julho de 2017, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), aprovou o modelo do termo de adesão que regulamenta essa transferência de responsabilidade da União para as prefeituras, por um prazo de até 20 anos, prorrogável indefinidamente. Com isso, abrem-se novas possibilidades de arrecadação aos municípios, aliada a uma completa autonomia na reaplicação dos recursos angariados. Considerando os entraves burocráticos contidos no arcabouço legal brasileiro, esta ação resultaria em significativa flexibilidade aos gestores públicos municipais, porquanto não há destinação obrigatória no uso desses recursos. E é aí que mora o perigo.

É muito importante que os gestores públicos compreendam a responsabilidade dessa iniciativa. A municipalização não pode colocar em risco o meio ambiente, o emprego das pessoas ou gerar recursos para finalidades escusas. Uma gestão eficaz das áreas de praias exige um corpo técnico qualificado e infraestrutura suficientes ao atendimento das demandas subsequentes.

Uma boa destinação para os recursos arrecadados pela utilização e nossas praias seria a produção de campanhas de sensibilização, sinalização turística, construção de equipamentos de lazer e urbanos, projetos ambientais para redução dos impactos sobre a orla e outras iniciativas. É uma oportunidade de estimular e facilitar que a população melhor ocupe e usufrua desses espaços, seja pela promoção de atividades culturais e esportivas, alugando as áreas da praia para casamentos, exposições e apresentações artísticas. E assim deveria ser pensada uma cidade, seja ela turística ou não, voltando-se ao bem-estar e à felicidade da sua população, em primeiro lugar, e à satisfação do turista como consequência. Cidade boa para os seus moradores, cidade boa para o turista. A recíproca, contudo, não é necessariamente verdadeira.

Ciente das possíveis vantagens da municipalização das praias, os municípios maranhenses de Apicum-Açu e Guimarães já encaminharam as suas solicitações. Enquanto esta aguarda parecer técnico da SPU, aquela teve seu pedido indeferido, já que não possui praias urbanas. Outros municípios famosos pelas suas belas e badaladas praias também já municipalizaram a gestão desses espaços, caso de Fortaleza, Recife e Maceió (Nordeste), além de Santos, Angra dos Reis e Niterói (Sudeste), apenas para citar alguns exemplos.

A priori, essa municipalização pode ser vista com bons olhos, em razão da amplitude de benefícios gerados às localidades que se encarregam de gerir suas praias urbanas. No entanto, a permissividade para exploração econômica das áreas litorâneas, autorizada pela lei 13.240/15, precisa ser blindada de cuidados. No momento em que ainda estamos aturdidos com uma grave tragédia ambiental cuja responsabilidade recai, principalmente, sobre os ombros de uma organização privada – e com aparente negligência de órgãos e gestores públicos – são necessários rigor e cautela quanto aos eventuais abusos e quanto à excessiva liberdade no uso e ocupação das áreas litorâneas urbanas.

Para não citar somente casos internacionais, como o das famosas praias de Cancun, no México, já é de praxe observar no território nacional uma série de abusos por parte do empresariado no que se refere a construções sobre a faixa de areia e mar, e o fechamento do acesso da população às praias, que resultam na privatização desses locais. Isso sem falar dos impactos ambientais como lançamento de esgoto, poluição visual e sonora de grandes empreendimentos. Em Angra dos Reis, uma das primeiras localidades a municipalizar a gestão das suas praias, assiste-se há um bom tempo edificações à beira-mar, que dificultam a circulação de pessoas e restringem o usufruto democrático desses locais. Em Maceió, há condomínios, em certos pontos da praia, que inviabilizam o acesso de qualquer cidadão, se não os que ali possuem uma residência. Não faltam exemplos em nosso país do oportunismo empresarial que, comumente, sob a conivência de uma gestão municipal, afrouxa as leis e autoriza a exploração insustentável de muitos espaços naturais. Aqui, aliás, reside uma das principais preocupações oriundas da Portaria 113.

Portanto, ao elencar de forma sucinta vantagens e desvantagens da transferência aos municípios da gestão das suas praias marítimas urbanas, é fundamental atinar ao compromisso coletivo dos envolvidos. Ao município cabe a responsabilidade integral no controle e fiscalização para coibir abusos, como os apontados anteriormente, de modo a garantir a função socioambiental das praias, e zelar para que essas áreas litorâneas sejam usadas e ocupadas com respeito ao meio ambiente e às pessoas. Órgãos ambientais, universidades e institutos de pesquisa, bem como a sociedade civil e organizada devem lançar os seus olhares atentos, subsidiando a elaboração de normas e cobrando o cumprimento da lei.

Da iniciativa privada, espera-se o comprometimento ético e responsável na exploração econômica que favoreça amplamente o bem-estar dos moradores e visitantes. A União permanece co-responsável na mitigação dos impactos negativos ao meio ambiente e aos cidadãos, e tem o dever de monitorar as ações público-privadas.

Ao sopesar benefícios da exploração econômica, de um lado, e os eventuais impactos ambientais negativos, do outro, reforçamos a posição de que a natureza não tolera erros. Não se pode fazer vista grossa, tampouco negligenciar os possíveis abusos das forças econômicas, correndo o risco de comprometer a nossa qualidade ecossistêmica e a vida da população de maneira geral. Embora com vantagens evidentes, a municipalização pode esconder interesses subjacentes que venham a comprometer a sustentabilidade das áreas litorâneas brasileiras. Estejamos atentos!

David Bouças e Antonio Rafael da Silva (Professores Doutores da UFMA)