Talvez grande parte da sociedade brasileira esteja aprendendo algumas lições. A valorizar o sistema único de saúde. A cobrar mais dos governantes. A perceber a incoerência e a irresponsabilidade do governo federal no cumprimento de suas atribuições. Mas, há um fato muito importante a se notar no momento atual: o esgarçamento da solidariedade social na nossa sociedade.
O grupo de pessoas em pobreza extrema no Brasil, que inclui os que vivem com menos de 1,9 dólar por dia, foi ampliado em cerca de 170 mil novos integrantes em 2019 e encerrou o ano passado com 13,8 milhões de pessoas, o equivalente a 6,7% da população do país. É o quinto ano seguido no qual o número de brasileiros na miséria cresce. Essa piora no grupo dos mais desassistidos ocorreu apesar de uma pequena melhora na renda média dos brasileiros e de uma ligeira redução da desigualdade no primeiro ano do governo Bolsonaro (PNAD, IBGE, 2019).
No cenário da pandemia, a projeção da estimativa do Banco Mundial é de que 5,4 milhões de brasileiros entrem na linha de extrema pobreza em 2020 ao tempo que prevê retração de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2020, a maior em 120 anos. Caso tal projeção se confirme, teremos no Brasil uma ampliação de 9,3 milhões para 14,7 milhões até o fim do ano do número de pessoas vivendo em extrema pobreza, com menos de US$ 1,90 por dia ou R$ 145 por mês.
A política trabalhista adotada pelo governo Jair Bolsonaro, de retirada e retração dos direitos trabalhistas, atacou duramente o poder aquisitivo dos trabalhadores, via redução de jornada de trabalho e salários dos trabalhadores do setor privado e congelamento salarial dos trabalhadores do setor público.
A pesquisa IBGE Covid, divulgada em 16.06.2020 já revela os impactos da ausência de uma política de geração de trabalho e renda no país. No mercado de trabalho, 28,5 milhões de pessoas estão procurando uma vaga ou não procuraram devido à pandemia, segundo a pesquisa que acompanhou o impacto da quarentena no mercado de trabalho. São 10,9 milhões de desocupados, o que representa uma taxa de desemprego de 11,7%.
São17,7 milhões trabalhadores (as) que não conseguiram procurar emprego, são potenciais desempregados. Esse montante representa os brasileiros que estão fora da força de trabalho e gostariam de estar trabalhando, mas não procuraram uma ocupação ou por causa da pandemia ou por não ter trabalho na localidade em que moram.
No fim de maio, o IBGE já havia divulgado na Pnad Contínua que a pandemia do novo coronavírus contribuiu para que 4,9 milhões de posto de trabalho fossem perdidos no Brasil no trimestre encerrado em abril, um recorde na série histórica. Desse total, 3,7 milhões postos de trabalho informais foram perdidos.
A Pnad Covid também demonstrou que o contingente de informais caiu ao longo do mês, indo de 35,7% na primeira semana do mês para 34,5% na última, com redução de 870 mil postos informais no período.
Ao lado dos impactos no mercado de trabalho, o Brasil também enfrenta a política de produção de morte insistentemente levada a cabo pelo governo federal que em nada contribui para o combate da pandemia em curso no Brasil nem para a preservação da vida dos brasileiros e brasileiras.
* Cândida da Costa – Professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. Doutora em Ciências Sociais (UFRN). Pós Doutora em Sociologia (UnB).